A história costuma se repetir. Após 12 anos afastado da Presidência, o que incluiu um período de 19 meses na prisão, Luiz Inácio Lula da Silva, o “Lula”, foi eleito presidente do Brasil pela terceira vez. Os dois primeiros mandatos de Lula (2003-2011) dão indícios do futuro do setor energético brasileiro, mas o presidente eleito encontrará pela frente um país com um quadro fiscal deteriorado e um congresso polarizado e um mundo muito mais preocupado com as questões ambientais.
Eis as previsões da AMI sobre o que acontecerá:
Petrobras reverterá sua estratégia de desinvestimento e eliminará política de preço de paridade de importação
Apesar da paralisação dos processos de desinvestimento de ativos estatais energéticos, as privatizações e desinvestimentos já concluídos não serão revertidos. A reversão desses negócios seria extremamente custosa para o novo governo – tanto do ponto de vista financeiro (estimado em US$ 58 bilhões no caso da Eletrobras) como jurídico e político.[1] Acordos ainda não concluídos e que deveriam ser finalizados até o final do ano, como as vendas das três refinarias da Petrobras (Reman-AM, SIX-PR e Lubnor- CE), poderão ser renegociados.[2]
Em uma estratégia para reduzir os custos de energia, Lula também alterará a política de preços dos combustíveis vendidos no mercado interno, eliminando a paridade de preços internacional estabelecida em 2016. Embora as operações da Petrobras e de seus concorrentes se concentrem no Brasil, a maioria das máquinas e destilados usados para extrair e processar o petróleo do país é importada em dólares, atrelando os custos às referências globais. Se os combustíveis forem vendidos com deságio no mercado interno, a Petrobras e outras distribuidoras de petróleo (Vibra Energia) poderão perder bilhões em receitas.[3]
Uma possível nova política de preços seria a criação de um preço de referência local, proposto pelo principal candidato à presidência da Petrobras, o senador Jean Paul Prates (PT-RN). Prates, que trabalhou na elaboração do plano de energia de Lula para o próximo governo, afirma que o preço de referência incluiria as margens de refino, distribuição e revenda, mas não seria “impositivo” ou “obrigatório”.
Segundo estimativas, Petrobras perdeu US$ 40 bilhões em receitas devido a esse esquema entre 2011 e 2014.
Devido às forças de mercado, no entanto, os vendedores precisariam praticar esse preço de referência para competir com outros fornecedores locais, forçando-os a vender o combustível com prejuízo (principalmente se o preço de referência local for inferior às referências globais). Sob a presidência da sucessora de Lula, Dilma Rousseff, a Petrobras se tornou a petroleira mais endividada do mundo graças à política de controle do preço do diesel e dos combustíveis vendidos localmente. Segundo estimativas, a empresa perdeu US$ 40 bilhões em receitas devido a esse esquema entre 2011 e 2014.[4]
O plano estratégico da Petrobras de se desfazer de ativos para pagar sua dívida também será revertido. O próprio Lula já indicou seu desejo de ampliar os investimentos da empresa não só em refinarias, mas também em gás natural, biocombustíveis, fertilizantes e ativos renováveis.[5] A geração de energia eólica offshore (em alto-mar) e a produção de biocombustíveis serão dois elementos essenciais para ajudar a Petrobras a se tornar uma “empresa integrada de energia”.
Prates sinalizou também um maior envolvimento das estatais com o setor privado por meio de parcerias.[6] Empresas que tenham laços mais estreitos com o PT e maior disposição a participar de parcerias público-privadas provavelmente ganharão mais contratos de energia. A maior presença das estatais pode ter um impacto negativo nas refinarias privadas, nos produtores independentes de energia e nos acionistas pessoas físicas, refletido no recuo de 8,5% nas ações da Petrobras no dia seguinte às eleições.

A produção de energia eólica offshore e a geração distribuída crescerão expressivamente, sobretudo nos estados do Nordeste
Os gastos públicos e projetos de infraestrutura de grande porte (em todos os setores) serão canalizados para estados pró-Lula nas regiões Norte e Nordeste do país, onde o presidente eleito obteve cerca de 70% dos votos válidos. Estados como Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte, Bahia e Pernambuco devem receber a maior parte desses investimentos, principalmente na geração de energia eólica offshore para reduzir as contas de eletricidade desses estados.
O Brasil já tem em estudo projetos éolicos em alto-mar com capacidade de geração de 200 GW, muitos deles nos estados citados acima. Assessores de Lula já indicaram também que a Petrobras será um grande protagonista no segmento eólico offshore, promovendo investimentos públicos e parcerias público-privadas nesse setor. Por fim, o senador Prates, aliado próximo de Lula, é o autor de um projeto de lei que prevê a regulamentação da exploração de energia eólica offshore (PL 576/21) e geraria bilhões em investimentos. O projeto foi aprovado recentemente no Senado e aguarda votação na Câmara.
Além de projetos de energia solar e eólica em escala de utilidade, o novo governo Lula sinalizou uma preferência por pequenas hidrelétricas (em detrimento de projetos de grande escala), com forte ênfase na minimização dos impactos locais e ambientais desses projetos. Ter parceiros locais para dialogar com as comunidades e obter sua aprovação antes do desenvolvimento dos projetos ajudará a minimizar esse risco.
O setor de geração distribuída continua sendo uma aposta segura no longo prazo, registrando crescimento contínuo a despeito do governo no poder. Com a aprovação de um abrangente marco regulatório para ativos de geração distribuída em 2022, é improvável que ocorram mudanças significativas no setor no médio prazo. Embora os ativos de geração distribuída estejam sujeitos à aplicação gradual da tarifa de uso do sistema de distribuição (TUSD) a partir de 2023, esses ativos ainda oferecerão retornos elevados para quem estiver disposto a arcar com o custo inicial de aproximadamente US$ 10 mil (no caso de consumidores PMEs). Os limitados riscos locais, regulatórios e ambientais, aliado à rapidez das aprovações e aos curtos prazos de desenvolvimento, levarão a um boom no setor de geração.

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A contínua abertura do mercado livre e os desafios para empresas de distribuição
Com a abertura do mercado livre para consumidores de alta tensão a partir de 2024, o principal assessor de Lula no setor de energia, Mauricio Tolmasquim, já indicou que o presidente eleito também defende a abertura do mercado para pequenos consumidores, sinalizando apoio ao PL 414 /2021 que tramita atualmente no Congresso.[7][8]
Especula-se que esse projeto de lei possa ser aprovado ainda antes do final do ano, o que permitiria que consumidores com consumo de energia superior a 500 kW entrassem no mercado livre e comprassem energia proveniente de qualquer fonte de geração. Após 42 meses, essa opção seria disponibilizada a todos os consumidores, independentemente de seus níveis de consumo. A abertura do mercado livre de energia deverá acontecer com ou sem a aprovação desse projeto de lei, já que uma portaria do Ministério da Energia que está em consulta pública abrirá o mercado não regulamentado a todos os consumidores até 2028.
A abertura do mercado livre de energia deverá acontecer com ou sem a aprovação desse projeto de lei, já que uma portaria do Ministério da Energia que está em consulta pública abrirá o mercado não regulamentado a todos os consumidores até 2028.
Com essa nova regulamentação, as distribuidoras (que assumiram compromissos financeiros com as geradoras por meio de contratos de longo prazo) perderão parte dos clientes para o mercado livre, mas devem ser protegidas contra perdas pelo novo governo por lidarem diretamente com consumidores finais. De fato, Tolmasquim indicou que as “boas” concessões de distribuição devem ser renovadas e que não são esperadas alterações contratuais significativas.[9] Muitas dessas distribuidoras estão localizadas no Nordeste brasileiro – região de origem de vários parlamentares da influente coalizão do Centrão. O presidente eleito não abrirá mão da proteção dessas empresas.
Os subsídios para o mercado livre, que, segundo projeções, somarão cerca de 1 bilhão de dólares em 2023, são pagos por consumidores regulamentados. Assim, a maior ameaça ao mercado livre (que inclui muitas empresas de geração distribuída) seria uma interpretação equivocada da ideia de que os subsídios concedidos ao setor livre serão pagos por consumidores regulamentados de baixa renda, forçando o novo governo a reformular o marco regulatório existente. A realidade é que os consumidores de baixa renda do mercado regulado estão isentos do pagamento desse subsídio, por estarem sujeitos a uma tarifa social diferenciada.[10]

Queda no desmatamento, mas até que ponto?
Com um congresso dividido e influenciado por uma poderosa bancada agrícola, é muito difícil Lula conseguir implementar amplas mudanças ambientais que afetem negativamente o agronegócio, um dos pilares da economia brasileira. A expectativa, no entanto, é que o novo governo proponha objetivos climáticos mais ambiciosos e novos mecanismos de responsabilização. Essas mudanças foram bem recebidas por aliados internacionais, que provavelmente liberarão fundos em troca da proteção da floresta amazônica.
Várias dessas propostas foram sugeridas pela ex-ministra do Meio Ambiente de Lula (2003-2008), Marina Silva (Rede), que deseja instituir a obrigatoriedade da redução de emissões para todas as novas energias contratadas no Sistema Interligado Nacional, a rede principal do país. Isso envolveria todas as licitações de energia realizadas sob a nova administração. Marina defende ainda a criação de um mercado de carbono e de uma Autoridade Nacional de Segurança Climática que cobre do governo a responsabilidade pelo cumprimento de suas metas de descarbonização.[11] Por ter apoiado Lula durante as eleições, Marina Silva provavelmente será uma importante integrante da equipe climática internacional do novo governo.
O governo Lula também vem conversando sobre o chamado “New Deal Verde“, uma política climática ambiciosa que eliminaria o desmatamento na Amazônia e criaria uma economia sustentável. Embora a ideia seja louvável, teoria e prática nem sempre andam juntas. Ao mesmo tempo que reduziu efetivamente a destruição da Amazônia em seus dois mandatos anteriores, Lula também favoreceu a indústria pesada, o desenvolvimento da pecuária na Amazônia e a ampliação das reservas de petróleo da Petrobras.[12] O presidente eleito certamente destinará mais recursos para o combate ao desmatamento, mas sua promessa de “lutar pelo desmatamento zero na Amazônia” pode não passar de retórica política.
A AMI é a consultoria líder no fornecimento de dados e análises de inteligência sobre o setor de energia na América Latina. Seja para ajudá-lo a entender como as mudanças no cenário político afetarão seus investimentos ou a identificar as oportunidades com a melhor relação risco-retorno no setor de energia, a equipe da AMI no Brasil tem todas as informações estratégicas de que sua empresa necessita para tomar decisões de investimento acertadas nesse novo governo Lula. Com mais de 20 anos de experiência no setor de energia da América Latina, a AMI já ajudou inúmeras multinacionais e investidores a ingressar e expandir sua presença no mercado brasileiro por meio de análises comparativas de oportunidades, inteligência competitiva e análises sobre estratégias de entrada no mercado.
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Fontes de dados
[1] October 2022, Veja. “Por que a privatização da Eletrobras não deve ser revertida por Lula”
[2] September 2022, Estadao. “Cade: Venda de refinarias pode ser revista se controlador da Petrobras decidir”
[3] October 2022, S&P Global. “Lula’s win in Brazil presidential race likely means return to state-led economy”
[4] October 2022, S&P Global. “Lula’s win in Brazil presidential race likely means return to state-led economy”
[5] October 2022, EPBr. “As promessas de Lula para o setor de energia:
[6] September 2022, O Globo. “Petista descarta reestatização no setor de energia em eventual governo Lula.”
[7] September 2022, Argus Media. “Q&A: Lula would continue, update power market opening”
[8] October 2022, Poder 360. “Governo abre mercado de energia para alta tensão a partir de 2024”
[9] October 2022, Reuters. “Governo Lula não oferece grande risco às elétricas e Eletrobras, dizem analistas”
[10] October 2022, Poder 360. “Subsídios à geração distribuída devem custar R$ 5,4 bi em 2023”
[11] September 2022. EPBr. “Programa de Lula deve incluir meta de carbono em leilões de energia”
[12] October 2022, Reuters. “Analysis: Brazil’s Green New Deal: Lula promises environmental policy overhaul”